quarta-feira, 4 de maio de 2011

[vi]zinhança!

Ouvi a porta bater. Meus vizinhos brigaram.
A porta foi na verdade um grito que o homem não conseguiu, ou não quis dar. Ela sim foi expressiva, me deixou na torcida, na expectativa, e a cada minuto daquele desabafo dolorosamente coletivo meu coração batia mais forte e ofegante.
Não sei do começo da briga, presenciamos (eu e o restante do prédio provavelmente) tudo a partir do berro raivoso e embargado de lágrimas e decepção dela:
"-Eu não merecia isto, ninguém merecia isto!"

Silêncio.

Sedenta de explicações que não a convenceriam ela continuou:

"-E se fosse eu?! Se eu fizesse igual aquela vagabunda?! O que você pensaria?"

O silêncio continuou.

A histeria também:

"-Me diz! Fala alguma coisa! O que você quer que eu pense? Como quer que me sinta? DIZ! FALA!!!"

Mais silêncio, e dessa vez ele foi palpável pelo prédio, éramos todos espectadores de algo que nem saibiamos ao certo do que se tratava...

"-Pra mim chega! Não aguento mais Carlos, não aguento! Eu não preciso passar por isso!"

De repente o silêncio é quebrado pelo barulho vazio de porta que bate.
"Pra onde ela iria? casa dos pais? Amigas? Acabar com a talzinha destruidora de casamentos felizes?" eis as dúvidas latentes em nossas desocupadas vidas... Mas pra surpresa geral mais gritos:

"-Carlos volta aqui! Onde você acha que vai? Você não vai me deixar aqui falando sozinha! Volta, estou mandando! Se você sair nunca mais vai voltar! Volta!"

Silêncio. Soluços quebraram o matador silêncio. O choro frágil e desesperado de mulher visceral enchia o prédio. O prédio fazia silêncio, estávamos inerte em uma intimidade que não nos pertencia, que não desejamos ter, a vida do outro por alguns instantes passou a ser nossa, "Deus, que mundo cruel esse, que sociedade omissa, ninguém enxugará as lágrimas dessa pobre mulher?!"

Meia hora mais tarde, silêncio. Burburinho de eletrônicos, cachorros latindo no elevador, e os filhos do quinto andar jogando bola mais uma vez no corredor.

Desci, fui ao supermercado, e na volta quem encontro esperando o elevador?
Ele. O monstro silencioso, o tal Carlos. Sorridente, sim; eu disse sorridente! Feliz com alguns chocolates, um vinho. Que espécie de homem é esse, faz o que faz e acha que vai ficar tudo bem se montar um climinha? E essa mulher?! Será que depois de todo esse showzinho vai fazer de conta que é feliz, que nada aconteceu?! Meu Deus, que vizinhança...

-Boa tarde. Eu disse em tom sóbrio, como se aquela montanha de emoções alheias não me afetasse em nada, como se eu nunca tivesse ouvida nada.

"-Boa tarde." Respondeu o talzinho cordialmente.
E com um sorriso amigável continuou um diálogo.

"-Você é meu vizinho não é?! Desculpe viu, minha mulher, ela às vezes se passa..."

Com um sorriso amarelo vergonha balancei a cabeça como quem diz um sim, mas que isso não se repita...

"-Olha, já conversamos sobre isso eu e ela, e ela ficou de ver com o pessoal lá do teatro se consegue entradas pra vocês aqui do corredor, como pedido de desculpa por estar repassando o texto em casa..."

O elevador abriu. Graças a Deus o elevador abriu. Sorri novamente, mas dessa tentando esconder o choque da revelação profissional, agradeci, entrei em casa, sentei no sofá, e ri por muito tempo.



Somos todos iguais, sempre esperando alguém não nos convidar pra entrarmos em uma "realidade" alheia e pré fabricar-la a nosso bel prazer. Os vizinhos se amam.

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