terça-feira, 12 de julho de 2011

Mais que sonhar, ser sonho!

Algumas lembranças da infância são tão reais que chegam a ter cor e cheiro mesmo depois de anos. Eu ainda posso tocar na imagem da primeira vez que me perguntaram o que eu queria fazer quando crescesse, aquele dia é tão vivo em mim quanto cada uma das certezas que tenho e que mudo diariamente.

Quando criança não tinha certeza se seria cantor ou se trabalharia como ator, sabia apenas que qualquer outra coisa que tentasse fazer não me serviria. Na adolescência, o sobrepeso e o bulling me deram uma visão mais incerta quanto a um futuro profissional e menos respeitosa. Desisti da música quando meus professores desistiram de mim, desisti dos palcos quando tive medo de ser eternamente o Papai Noel, ou o gordo engraçado de programas de humor, que de forma pejorativa expõe as diferenças.

Três semestres de história, semestres de marketing, cinco de administração, cinco anos vagando por cursos que não gostava, e 64kg mais magro e a vida resolveu me fazer um carinho, me trouxe um presente. Ganhei uma bolsa para estudar teatro fora do estado em uma faculdade com bastante reconhecimento na área; era minha hora de mostrar o porquê vim ao mundo: “vou brilhar!”

Meus pais em sua extrema doçura financiaram minha viagem, e minha estadia em um lugar que nunca antes pensei estar. Conheci gente, fiz amigos, fiz contatos profissionais, brinquei de turista, fui o “menino do rio” por dias de sol que queimavam minha pele branca de gaúcho descendente de alemães. Finalmente eu via uma lembrança virando sonho, e o sonho virando realidade, eu seria ator.

Faltando alguns dias para o prazo final da entrega da documentação para a matrícula e efetivação da bolsa, liguei para casa, pedi um documento que faltava. Solicitamente minha mãe enviou o documento por correspondência segura de que chegaria antes do prazo final.

Prazo final, o documento não chegou. O que um dia foi lembrança que passou a ser sonho agora era ferida. Sentei no chão e como a criança de cinco anos, que dizia que seria ator, chorei sem vergonha de ninguém, nem mesmo de mim. Chorei uma dor que não queria sentir. Chorei uma injustiça que acreditava ser maldade da vida. Chorei e fiz do sonho uma promessa: nunca mais eu iria querer saber de qualquer coisa voltada à arte. Engoli o choro, o orgulho e pedi pra voltar pra casa.

Aprendi que a dor de ver um sonho morrer é igual à dor de passar por cima do próprio orgulho, é igual à dor da decepção de nós mesmos, e é igual à vergonha que sentimos das pessoas que pedimos para sonharem nossos sonhos. Voltei pra casa, para os amigos, para os curiosos, para o mundo que eu havia construído onde lembranças não eram sonhos.

Hoje, três anos depois, minha vida tomou novo rumo. A música voltou como companhia constante, os livros voltaram a ser prazer, e o cinema descanso, o teatro às vezes bate a porta e, quando estou bem, deixo ele fazer uma visita nesse novo mundo. A ferida tem estado em processo de cicatrização, já não dói mais como antes, mesmo que por hora sei ou sinto que o melhor é manter alguns sonhos no campo das lembranças, e o viver da arte vai ficando assim: inerte e indolor.

Toda essa explanação, e talvez exposição desnecessária, é para justificar algumas das minhas atitudes pessoais e para explicar novos posicionamentos. Eu ando meio calejado quando o assunto é sonhos, quando o assunto é ir atrás de uma vida que acreditamos ser a nossa vida certa, mas mesmo assim não consigo pensar em deixar tudo para traz e fazer de conta que lembranças nunca poderão ser sonhos, ou que sonhos nunca serão alcançados.

Perguntar quanto vale um sonho é tão absurdo quanto perguntar quanto vale uma vida. Algumas vidas nunca passarão de sonhos e alguns sonhos serão a única vida que algumas pessoas terão.

Eu já sonhei, já vivi; e já desisti dos dois em fases distintas da minha vida. E retomei ambos. Retomei uma vida que não sabia que tinha quando tive medo de não poder mais sonhar; e tive medo de viver de sonho quando a vida me fugiu ao controle. E saibam, nenhuma dessas coisas foi fácil, normalmente nos custam no mínimo uma grana que consideraremos mal investida e o esquecimento do nosso orgulho e vergonha em admitir que erramos.

Tenho visto alguns amigos adormecerem sonhos, e tenho acompanhado o quanto isso dói para eles. Tenho visto algumas pessoas largarem tudo em busca de seus sonhos, e em anos ou meses depois voltarem frustradas e sinto em mim a dor que dilacera a alma dessas pessoas, sei o quanto isso significa. Mas o que realmente tem matado minha alma são as pessoas que conheço e que por variados, e não aqui discutíveis motivos, têm desistido de ir atrás de seus sonhos, tem abdicado de serem elas mesmas. Sempre seremos o que amamos.

Admiro quem gosta do que faz e, mais ainda, quem gosta do que é. Admiro uma galera que vive cantando em bares, sejam eles lotados ou com três bêbados desatentos, conforme já vi. Admiro pessoas que se propõem a viver seus sonhos e não se importam em ser os próprios sonhos. Admiro pessoas como Guilherme Bulla, Vivi Fields, Lais Tetour, Tephy Marcondes, gente como o pessoal do Projeto Cama, Mesa e Banho; admiro essa galera que sonha e ensina a sonhar, que divide o próprio sonho sem pedir nada em troca, contando apenas com a boa vontade das pessoas.

Quando comecei esse blog, era para ser simplesmente um lugar onde eu pudesse escrever sentimentos distorcidos em metáforas, não tinha pretensões maiores e de fato ainda não as tenho, porém agora vou dar espaço a sonhos que me fazem sonhar. Não tenho o intuito e menos ainda a qualificação de fazer analises críticas, mas posso falar de sonhos e de verdades que as pessoas vivem, posso divulgar sonhos e quem sabe incentivar algumas pessoas a porem mochilas nas costas e viverem seus sonhos, quem sabe inspiro pessoas a se permitirem ser seus sonhos?

2 comentários:

  1. Sempre seremos o que amamos? Será mesmo, Ton? Estou um tanto descrente disso... "Eu ando meio calejado quando o assunto é sonhos"
    Enfim...
    Um beijo meu querido! Saudade de abraçar vc!

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  2. Entre o "sonho vivido e a vida sonhada" há muita coisa, Ton. E digo isso como quem vive sonhando e sonha vivendo: "Sabe a águia o que há na toca? Ou perguntarás à toupeira do que se trata?" (William Blake - poeta inglês, simbolista)

    Abraços de quem um dia foi um cochilo que tiveste e,quem sabe, uma faísca de sonho.

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