segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Liberdade: uma fábula para adultos.

    Finalmente acontecendo. 


    Ele começava a ficar letárgico, assim como se fica sempre que um sonho passa à realidade. Letárgico como quando começamos a palpar o que antes só fazia nossos olhos brilhar em silêncio: liberdade...



    - Ah, a liberdade!


    Depois de anos morto naquela prisão finalmente ele estava livre; Cumprira sua pena com a sociedade; exagerada ao seu ver, mas justa aos olhos do mundo e para ele isso era o que importava, pois agora estava redimido e apto ser gente novamente. Estava apto, curioso e sedento por ser só mais um na sociedade, ansiava por andar por onde costumava andar antes, em se deliciar com a vista dos prédios pobres e das ruas sujas, apreciar produtos que não poderia comprar em vitrines de lojas caras, e isso se elas ainda estivessem abertas pensava ele idealizando as mudanças de um mundo que não morreu em limites gradeados.

    Mal podia esperar por ganhar as ruas. "Ganhar as ruas!": por varias vezes esse fora seu único sonho consolante, e também sua força para continuar insistindo em uma vida que mais lhe parecia um castigo que propriamente uma dádiva.

    Assim que finalmente foi liberado pelo guarda mal humorado, ele viu os portões da prisão se abrirem e no auge de sua euforia e fé tímida pensou: "se existe paraíso suas portas devem ter essa visão".

    -A verdade? Ele não via mais que dois cachorros sarnetos e magrelos perambulando, lixo, uma rua de asfalto esburacado e alguns muros pichados em um dia de sol que cegava, o que talvez explicasse sua comparação: a cegueira momentânea.

    Agora, livre ele andava apressadamente, queria recuperar os anos perdidos. Andar em linha reta por mais de 300 metros, ouvir o som dos carros e sentir o prazeroso ar poluído entrando em suas narinas e fazendo seu pulmão vibrar de felicidade com a realidade que o adentrava. Ele andou por algumas horas. Simplesmente andou, sem destino, sem intenção, apenas fazendo seu pés se cansarem enquanto seus olhos exaltavam tudo o que não fosse cinza. Como cão faminto passou por padarias e deixou a boca se afogar em saliva só pelo prazer de ver coisas que se quer lembrava que existiam, e quando finalmente viu um sonho  recheado com doce de leite seus olhos se encheram de lágrimas, nada lhe apetecia mais do que o doce naquele momento, e de tudo o que tinha ele só não abriria mão de sua liberdade por aquele doce, de resto trocava sem se quer pensar...

    (...)

    

    Os dias se passaram, a vida foi se moldando novamente. Ele fazia tudo certo, não ousaria arriscar seu maior bem: a liberdade sonhada. Ele, o indivíduo, procurou a família, tentou reencontrar os amigos, madrugou todos os dias em busca de um emprego, fosse ele qualquer coisa. O agora, quase infeliz tinha noção que independente do que fizesse nada seria tão difícil ou humilhante quanto estar preso.


    Dia após dia ele tentou. Eu sei. Deus sabe o quanto o infeliz buscou uma vida de homem livre, mas tudo o que ouvia, quando chegavam a falar com ele, era: Não. Uns mais incisivos, outros tímidos, alguns quase mudos; ouviu nãos de todas as formas, em todos os tons, com todos os timbres, sempre NÃO, mas todos sem exceção acompanhados de olhos repressores, olhos que só viam um passado ao qual ele jurava não mais pertencer.



    E assim, sem maiores condições de sonhar e condição alguma de realizar ele finalmente entendeu o que ninguém conta, o que velamos em silêncios cortantes e ações desmedidas, ele percebeu que uma vez prisioneiro, eternamente preso.



(...)


Assim somos nós. Prendemos as pessoas, e independente do quanto mudem ou se esforcem sempre as deixaremos no mesmo lugar; às margens da nossa "perfeição". Às margens daquilo que não se condenou ainda.

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