segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Grand' Hotel

    

    "A dádiva da dor"(Philip Yance) é um dos meu livros favoritos, demorei várias páginas e muitas horas de introspecção para começar a entender e concordar plenamente com as sábias e bem colocadas palavras do Sr. Philip, e elas sempre me serão eterna e fonte de embasamento em discussões, sobre a vida e o como entender suas nem sempre gratas ou esperadas surpresas; no livro Philip fala da alegria dos leprosos que eram isolados do convívio social, e aos poucos e sem sentir dor física viam seus corpos se desconfigurarem até a morte, para um leproso sentir a dor durante um processo necrótico é uma dádiva, é a possibilidade de buscar tratamento em tempo hábil. Da mesma forma levei tempo para entender o que Renato Russo queria realmente dizer quando cantava que "Clarice está trancada no banheiro, e faz marcas pelo corpo com seu pequeno canivete, seus tornozelos sangram e a dor é menor que parece", mas hoje não só entendo como solidariamente concordo com a garotinha indefesa que busca na dor o alívio e a certeza de estar viva, e que tenta provar a si mesma que existem coisas que machucam mais do que possamos controlar. Como profissional da área da saúde tenho na dor uma forte aliada para diagnósticos nem sempre fácies, e também tenha na mesma um carrasco que atrasa tratamentos e traumatiza pacientes com medo e tentando evitar essa sensação nada agradável.

    Dores físicas são quase sempre curáveis, podem ser tratadas por uma das inúmeras especialidades médicas, é questão remoção de fator etiológico. Mas quando a dor é emocional por mais que da mesma forma possamos contar com a ajuda de algumas especialidades médicas elas são menos exatas e por isso seu tratamento depende não necessariamente da remoção de fatores etiológicos, mas da aceitação dos mesmo, do aprendermos a lidar com eles. 


    Sem sobra de dúvida a dor física que tanto abominamos e maldizemos é quase sempre um presente ou um "puxão de orelha melancólico" nos mostrando tudo o que tínhamos e perdemos sem muito valorizarmos. Mas às vezes a dor física é uma tentativa de amenizar uma dor emocional que de tão intensa parece que irá nos consumir, e impiedosamente nos matar sem que possamos fazer nada, se não passivamente esperar.


  Não há nada melhor que a dor para nos mostrar que estamos vivos e para nos dar a certeza que não cabe exclusivamente a nós controlarmos o nosso nível de dor. 

    Eu tenho sido sucessivamente atropelado por caminhões que faço questão de ambicionar, de abastecer e às vezes de ligar. Agora, se eu fosse mais corajoso ou menos sensato, estaria sentado no meu banheiro, trancado; mas sei pelas experiencias de Clarice que não irá amenizar, sei que pelas páginas do Philip que estou vivo e por por estar vivo é que nunca estarei imune as dores que a vida me irá me impor.

    Estou vivo, e de forma ampla isso implica sentir dor também, e embora eu veja na aceitação da dor um conformismo inteligente não preciso ser hipócrita em dizer que gosto disso, ou que me regozijo de alegria por me sentir destruído, atropelado; mas posso dar a certeza de que isso me fará em um futuro não distante uma pessoa melhor, mais forte e generoso, e com a certeza de que apesar de tudo estou vivo.

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